O Governo de João Lourenço confirmou hoje que, ao contrário do que propalara o Presidente aos quatro ventos nos areópagos políticos internacionais, em Setembro de 2017 tinha nos cofres do Estado o valor de 15.000 milhões de dólares em Reservas Internacionais Líquidas (RIL), tal como disse anteriormente o ex-Presidente José Eduardo dos Santos, não estando por isso – como disse, mentindo, o actual Presidente – os cofres vazios.
Numa conferência de imprensa realizada hoje em Luanda, em que não foi autorizada a entrada de órgãos de comunicação social estrangeiros (o que só por si é aterradoramente sintomático) e durante a qual o nome de José Eduardo dos Santos nunca foi (num misto de mediocridade e cobardia) pronunciado, o ministro de Estado do Desenvolvimento Económico e Social angolano, Manuel Nunes Júnior, procedeu apenas a um balanço do Programa de Estabilização Macroeconómica (PEM), cujos dados confirmam o que o ex-Presidente afirmara a 21 deste mês, já então respondendo às declarações do actual chefe de Estado, João Lourenço, que tinha denunciado (e incriminado) que recebeu, em Setembro de 2017, os cofres do Estado vazios.
“Tendo em conta que o consumo interno no país continua ainda muito dependente das importações, Angola registou, entre 2014 e 2017, défices sucessivos da conta corrente e da balança de pagamentos, com efeitos negativos nas RIL, que passaram de cerca de 27.200 milhões de dólares, em 2014, para cerca de 15.000 milhões de dólares em 2017. Quer dizer que, num período de três anos [governação de José Eduardo dos Santos], o país terá deixado de contar com cerca de 12.000 milhões de dólares nas RIL”, afirmou hoje Manuel Nunes Júnior.
“Não deixei os cofres do Estado vazios. Em Setembro de 2017, na passagem de testemunho, deixei 15 mil milhões de dólares no Banco Nacional de Angola como Reservas Internacionais Líquidas a cargo do um gestor que era o governador do BNA sob orientação do Governo”, disse anteriormente José Eduardo dos Santos.
Na conferência de imprensa de hoje, Manuel Nunes Júnior começou por indicar que, em Setembro de 2017, o Tesouro tinha em sua posse 6.980 milhões de dólares quando, três anos antes, esse montante era de 15.860 milhões de dólares “em moeda externa”.
“Sendo as receitas de Angola muito dependentes dos recursos externos, é de assinalar que, em 2013, a conta única do Tesouro em moeda externa era de 15.860 milhões de dólares. Em Setembro de 2017, esta conta atingiu os valores mínimos dos últimos anos, situando-se em 6.980 milhões de dólares”, disse.
“As autoridades fiscais tiveram então de enfrentar uma situação que evidenciava um alto endividamento público diante de fracos recursos no Tesouro Nacional”, acrescentou.
A conferência de imprensa realizada hoje estava inicialmente prevista para quinta-feira da próxima semana, mas as explicações seriam dadas no âmbito da Comissão de Economia e Finanças do Parlamento, tendo sido, à última hora, convocada pelo Governo.
Na quarta-feira, no Parlamento, e face às dúvidas levantadas pela oposição, nomeadamente pelo deputado Lindo Bernardo Tito, da CASA-CE, que questionou sobre qual o valor monetário encontrado pelo Governo de João Lourenço na conta do tesouro, bem como das Reservas Internacionais Líquidas, Manuel Nunes Júnior indicou que os deputados seriam informados a 6 de Dezembro, no quadro da comissão.
Ao ministro das Finanças de Angola, Archer Mangueira, o deputado da CASA-CE pediu um esclarecimento sobre a situação, pergunta recorrente, nos últimos dias, durante as sessões de discussão na especialidade do Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2019.
“Senhor ministro das Finanças, como angolano, e porque vem do Governo anterior, diga com honestidade, sinceridade, a esta casa, encontraram quanto na conta do tesouro, encontraram quanto em relação às Reservas Internacionais Líquidas, isso tem que ficar claro”, questionou Lindo Bernardo Tito.
“Nós registamos este pedido de informação, vamos prestar esta informação, mas não agora, tendo em conta que o objecto desta sessão não envolve este tipo de assuntos e vamos tratá-lo, julgamos, na altura própria, que será na próxima semana, na próxima quinta-feira, quando tratarmos de aspectos globais do Orçamento Geral do Estado para 2019”, frisou então Archer Mangueira.
Recorde-se que José Eduardo dos Santos negou no passado dia 21 ter deixado a Presidência com os cofres vazios, garantindo que deixou pelo menos 15 mil milhões de dólares ao executivo que lhe sucedeu, ou seja a João Lourenço, contrariamente às declarações do seu sucessor. É caso para perguntar: Afinal quem é o ladrão, afinal quem é o mentiroso?
“Não deixei os cofres do Estado vazios. Em Setembro de 2017, na passagem de testemunho, deixei 15 mil milhões de dólares no Banco Nacional de angola como reservas internacionais líquidas a cargo do um gestor que era o governador do BNA sob orientação do Governo”, disse concretamente José Eduardo dos Santos.
Numa declaração aos jornalistas sem direito a perguntas, na sede da Fundação Eduardo dos Santos, em Luanda, o antigo Presidente afirmou a necessidade de “prestar alguns esclarecimentos” sobre a forma como conduziu a coisa pública durante os 38 anos de Governo.
Numa entrevista, no dia 17, ao jornal português Expresso, o Presidente João Lourenço disse que quando assumiu o poder encontrou os cofres vazios ou a serem esvaziados.
Segundo Eduardo dos Santos, o Orçamento Geral do Estado é aprovado pela Assembleia Nacional e todas as receitas e despesas do Estado devem estar obrigatoriamente inscritas.
“O OGE de 2017 tinha um défice de 6% e a cobertura desse défice era suportada com a venda de títulos do tesouro aos bancos comerciais, dívida que tinha de se pagar mais tarde com juros e o dinheiro depositado no tesouro”, justificou Eduardo dos Santos.
João Lourenço também criticou a forma como o seu antecessor procedeu na fase de transição do poder, dizendo que não houve uma “verdadeira passagem de pasta”, o que o obrigou, nos primeiros meses no Palácio da Cidade Alta, a um trabalho redobrado para se inteirar da real situação do país.
“Esperava uma verdadeira passagem de pasta em que me fosse dado a conhecer os grandes dossiês do país e isso, de facto, não aconteceu”, lamentou João Lourenço, que aproveitou ainda para dizer que esse momento de transição foi quando se deu conta da “anormalidade” dos últimos actos do ex-Presidente José Eduardo dos Santos.
“Anormalidade” que, convenientemente, passou ao lado de João Lourenço que, sendo uma virgem inocente, nada notou mesmo sendo ministro da Defesa de Eduardo dos Santos e vice-presidente do MPLA.
Como o Folha 8 escreveu no passado dia 17 no artigo “Repto directo a Dos Santos – Meta a boca no trombone”, João Lourenço também desafiou Eduardo dos Santos a denunciar os corruptos e os traidores da pátria. A resposta do dia 21 foi ainda parcelar. Digamos que foi um aperitivo, sendo que na ementa principal, “cujo dossier está pronto e na mão de várias pessoas, algumas a viver fora de Angola”, consta uma listagem “completa e documentada dos traidores e corruptos”.
“É claro que João Lourenço apostou tudo em passar a imagem, interna e externamente, de político impoluto, íntegro e honorável que nada tem a ver com traidores ou corruptos”, disse ao F8 um dos generais da “velha-guarda” que se mantém fiel a José Eduardo dos Santos.
Um outro incondicional de JES que, aliás, integrou o governo em que João Lourenço foi ministro da Defesa, acredita que “os novos dirigentes do MPLA, assim como os velhos que estão a pôr a barba de molho e a ajoelhar-se perante o novo presidente, vão tentar calar Eduardo dos Santos, evitando que ele revele tudo o que sabe”.
Mas quem são esses “velhos”? “São quase todos os que agora integram o séquito do novo presidente, e que têm (tal como tem João Lourenço) rabos-de-palha que nunca mais acabam”, refere a mesma fonte.
Se dúvidas existissem, as mais recentes afirmações de João Lourenço confirmam que ele rasgou o acordo de compromisso negociado com José Eduardo dos Santos. Mas, tal como Folha 8 já revelara em 22 de Novembro de 2017, Dos Santos tem muitas cópias (algumas espalhadas por vários areópagos) de um enorme dossier “top secret” de… João Lourenço.